Era uma vez um galo que acordava bem cedo todas as manhãs e dizia para a bicharada do galinheiro:
__ Vou cantar para fazer o sol nascer...
Ato contínuo, subia até o alto do telhado, estufava o peito, olhava para o nascente, cantava e ficava esperando...
Dali a pouco a bola vermelha começava a aparecer, até que se mostrava toda, acima alas montanhas, iluminando tudo. O galo se voltava, orgulhoso, para os bichos e dizia:
__ Eu não falei?
E todos ficavam boquiabertos e respeitosos ante poder tão extraordinário conferido ao galo: cantar pra fazer o sol nascer. Ninguém duvidava. Tinha sido sempre assim. Também o galo-pai cantara para fazer o sol nascer, e o galo-avô...
Tal poder extraordinário provocava as mais variadas reações. Primeiro, os próprios galos não estavam de acordo. E isto porque não havia um galo só. Quando a cantoria começava, de madrugada, ela ia se repetindo pelos vales e montanhas. Em cada galinheiro havia um galo que pensara a mesma coisa e julgava todos os outros uns impostores invejosos. Além do que não havia acordo sobre a partitura certa para fazer o sol nascer. Cada um dizia que a única verdadeira era a sua, todas as outras não passando de falsificações e heresias. Em cada galinheiro imperava o terror. Os galos jovens tinham de aprender a cantar do jeitinho do galo velho, e se houvesse algum que desafinasse ou trocasse bemóis por sustenidos, era imediatamente punido. Por vezes, a punição era um ano de proibição de cantar. Sendo mais grave o desafino, ameaçava-se com o caldeirão de canja do fazendeiro, fervendo sobre o fogão de lenha.
Depois, havia grande ansiedade entre os moradores do galinheiro. E se galo ficasse rouco? E se esquecesse da partitura? Quem cantaria para fazer nascer o sol? O dia não amanheceria. E por causa disso cuidavam do galo com o major cuidado. Ele, sabendo disso, exigia um tratamento de primeira.
E aconteceu, como era inevitável, que certa madrugada o galo perdeu a hora e não cantou para fazer o sol nascer. Mas o sol nasceu sem o seu canto.
O galo acordou com o rebuliço no galinheiro. Todos falavam ao mesmo tempo.
__ O sol nasceu sem o galo... O sol nasceu sem o galo...
O pobre galo não podia acreditar naquilo que os seus olhos viam: a enorme bola vermelha, lá no alto da montanha. Como era possível?Teve um ataque de depressão ao perceber que o seu canto não era tão poderoso como sempre pensara. E a vergonha era grande!
Passou-se muito tempo sem que se ouvisse o cantar do galo de deprimido e humilhado que ele estava. Até que numa bela manhã, o galinheiro foi novamente despertado com o canto do galo. Lá estava ele, no alto do telhado, peito estufado...
__ Está cantando pra fazer o sol nascer, perguntou o peru em meio a uma gargalhada.
__ Não, respondeu o galo.
Antes eu cantava pra fazer o sol nascer. Hoje eu canto porque o dia nasce!
(ALVES, Rubem. ESTÓRIAS DE BICHOS, Adaptação ilustração Aldemir Martins)
Ato contínuo, subia até o alto do telhado, estufava o peito, olhava para o nascente, cantava e ficava esperando...
Dali a pouco a bola vermelha começava a aparecer, até que se mostrava toda, acima alas montanhas, iluminando tudo. O galo se voltava, orgulhoso, para os bichos e dizia:
__ Eu não falei?
E todos ficavam boquiabertos e respeitosos ante poder tão extraordinário conferido ao galo: cantar pra fazer o sol nascer. Ninguém duvidava. Tinha sido sempre assim. Também o galo-pai cantara para fazer o sol nascer, e o galo-avô...
Tal poder extraordinário provocava as mais variadas reações. Primeiro, os próprios galos não estavam de acordo. E isto porque não havia um galo só. Quando a cantoria começava, de madrugada, ela ia se repetindo pelos vales e montanhas. Em cada galinheiro havia um galo que pensara a mesma coisa e julgava todos os outros uns impostores invejosos. Além do que não havia acordo sobre a partitura certa para fazer o sol nascer. Cada um dizia que a única verdadeira era a sua, todas as outras não passando de falsificações e heresias. Em cada galinheiro imperava o terror. Os galos jovens tinham de aprender a cantar do jeitinho do galo velho, e se houvesse algum que desafinasse ou trocasse bemóis por sustenidos, era imediatamente punido. Por vezes, a punição era um ano de proibição de cantar. Sendo mais grave o desafino, ameaçava-se com o caldeirão de canja do fazendeiro, fervendo sobre o fogão de lenha.
Depois, havia grande ansiedade entre os moradores do galinheiro. E se galo ficasse rouco? E se esquecesse da partitura? Quem cantaria para fazer nascer o sol? O dia não amanheceria. E por causa disso cuidavam do galo com o major cuidado. Ele, sabendo disso, exigia um tratamento de primeira.
E aconteceu, como era inevitável, que certa madrugada o galo perdeu a hora e não cantou para fazer o sol nascer. Mas o sol nasceu sem o seu canto.
O galo acordou com o rebuliço no galinheiro. Todos falavam ao mesmo tempo.
__ O sol nasceu sem o galo... O sol nasceu sem o galo...
O pobre galo não podia acreditar naquilo que os seus olhos viam: a enorme bola vermelha, lá no alto da montanha. Como era possível?Teve um ataque de depressão ao perceber que o seu canto não era tão poderoso como sempre pensara. E a vergonha era grande!
Passou-se muito tempo sem que se ouvisse o cantar do galo de deprimido e humilhado que ele estava. Até que numa bela manhã, o galinheiro foi novamente despertado com o canto do galo. Lá estava ele, no alto do telhado, peito estufado...
__ Está cantando pra fazer o sol nascer, perguntou o peru em meio a uma gargalhada.
__ Não, respondeu o galo.
Antes eu cantava pra fazer o sol nascer. Hoje eu canto porque o dia nasce!
(ALVES, Rubem. ESTÓRIAS DE BICHOS, Adaptação ilustração Aldemir Martins)
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