Desejo começar está reflexão parafraseando um pensamento de Mário Quintana que diz assim:
"O que mata um jardim não é o abandono.
O que mata um jardim é esse olhar de quem passa por ele indiferente".
Na verdade o que mata a gratidão não é o esquecimento. O que mata a gratidão é esse olhar de quem passa por ela indiferente. Hoje é um dia em que a indiferença deve ser esquecida. É um dia em que a gratidão deve ocupar todos os espaços do nosso coração. É um momento de olhar para os dias que já são passados, e lembrar que se não fosse a graça maravilhosa do nosso Deus, não estaríamos aqui.
Garimpando as páginas da Bíblia em busca de uma história que pudesse conduzir os nossos pensamentos sobre esta magna virtude, eu estacionei o coração quando passei pela casa de uma mulher. Mulher que nos presenteou com uma das maiores lições da vida. Ela nos ensinou como tecer o nosso destino, como ultrapassar as montanhas das impossibilidades.
Eu fiquei matutando, quem conseguiria na mais profunda reflexão imaginar o que se passou no coração desta jovem mulher chamada Ana. Durante longos anos ela lutou consigo mesma, com sua rival e principalmente com o seu Deus.
Não foi uma luta empreendida com as armas da angústia, da frustração, do ciúme patológico. Ana era uma mulher sábia. E os sábios não maldizem, não criticam, não se exasperam. Eles sabem que as tempestades por mais violentas que sejam são impotentes diante da majestade do astro sol, que brilha independente das circunstâncias que o envolvem. Estas tempestades podem até durar um tempo. Mas rendem-se à força daquele que foi colocado no firmamento para alumiar o coração que se alimenta de paz.
Com certeza, ao abraçar o seu Samuel, Ana deixou-se transbordar de gratidão, de reconhecimento, de louvor ao Deus dos impossíveis.
Alguém afirmou que há duas maneiras de se fazer uma fogueira: com sementes e com madeira seca. Quem lança as sementes na tentativa de acender o fogo o faz uma única vez. Mas se plantar as sementes não lhe faltará lenha para se aquecer nos tempos frios do inverno emocional. Ana não acendeu uma fogueira com as sementes da sua fé. Pelo contrário, ela as plantou com carinho e de joelhos diante do Senhor.
Eu creio que a gratidão é como uma semente. Se plantada, ela sempre nos fornecerá elementos para vivermos uma qualidade de vida inigualável, exuberante, transcendente.
Hoje estamos celebrando mais uma vitória. Caminhamos dias, semanas, meses e finalmente estamos vivendo um novo dia de ação de graças. Há um ano, levantamos a Deus uma palavra de gratidão por tudo o que Ele fez em nossa vida, em nossa família, e de modo especial em nossa Igreja. Num olhar retrospectivo, podemos enxergar um tempo em que as preocupações eram grandes, mas administráveis.
Nos anos que se foram e, que não voltam mais, compartilhamos alegrias, vitórias, como também fomos colocados diante de desafios que nos assustaram. Mas pela graça infinita do nosso Deus, todos eles foram contornados, foram vencidos, foram administrados.
Hoje cruzamos um tempo em que o calor se faz mais intenso. As possibilidades se encurtam, na medida em que os braços que poderiam nos apoiar vão se deixando cansar, vão se afastando com receio de serem esmagados pelo trator da ganância, da massificação da mesmice, da anormalidade que empurra o homem para o mundo das coisas. Ameaças surgem a cada momento na tentativa de tirar de nós a paz, a certeza, a motivação que não pode faltar a quem serve a igreja e ao Reino.
Por isso, abrir um espaço como este para agradecer a Deus parece coisa fora de propósito, utópica, exagerada. Como agradecer quando as famílias estão sendo destroçadas. Quando a violência estende seus tentáculos venenosos e mortíferos. Tentáculos que não abraçam apenas o incauto, o distraído que caminha pelas ruas da cidade. Tentáculos que já se instalaram nas casas, nos lares, no trabalho e até mesmo na igreja.
Mas é justamente num tempo como este que devemos parar. Quando a vida parece sem sentido. Quando as saídas se mostram bloqueadas. Quando as impossibilidades sobrevoam a vida ameaçando arrancá-la de sua paz, de sua tranqüilidade, de seu ninho é que devemos levantar os nossos olhos para o céu e dizer como Ana: “Meu coração exulta no Senhor; no Senhor minha força é exaltada”. 1 Sm 2.1.
No livro “Um mês para viver” há uma citação interessante de Melody Beattie. “A gratidão libera a plenitude da vida. Ela transforma o que temos em suficiente e muito mais. Transforma negação em aceitação, caos em ordem, confusão em clareza. Pode transformar uma refeição num banquete, uma casa num lar, um estranho num amigo”. (p. 127).
Não é maravilhoso saber que a gratidão pode operar em nós uma mudança tão profunda? Com certeza ela mudou a vida de Ana, não apenas pelo filho que recebeu, mas pela certeza de que Deus estava ao seu lado em todo o tempo. E quando Deus se faz presente, o presente se presenteia, se transforma, toma dimensões extraterrenas. As circunstâncias deixam de prevalecer. O medo de perder algo se desvanece. O sorriso aflora no rosto pela contemplação de que os nossos impossíveis nada significam para o nosso Deus.
Enquanto buscava palavras para descrever este momento de celebração, piscou uma luz fazendo-me lembrar da metáfora da águia e da galinha que já foi contada em várias versões. No final da história, após ser tratada com todo o carinho, a águia estava quase em condições de voltar a ser o que a sua natureza havia determinado para ela: ser uma águia.
Leonardo Boff, conta esta história de uma forma extraordinária, remontando o quadro original que trouxe à luz esta página inspirada. Escreve ele: “Embora completa em seu corpo, com os olhos recuperados e os sentidos resgatados, a águia não era ainda totalmente águia. Vivia entre as galinhas. À força de conviver com elas, fizera-se também galinha. A natureza singular da águia se encontrava sepultada dentro da galinha.
Onde estaria seu coração, a essência mais íntima de toda águia? Uma águia jamais será uma galinha, mesmo que seja a mais extraordinária do mundo. Há nela um fogo interior que cinza alguma pode apagar. É o seu ser de águia. Seu chamado às alturas. O sol que habita seus olhos”. (A águia e a galinha – p. 135).
A gratidão age assim. Ela nos devolve a natureza de vencedores. Mesmo que no momento presente você esteja convivendo com as galinhas, ciscando para encontrar alimento, impossibilitado de voar, de alcançar o céu, saiba que dentro de você há um fogo que não se apaga.
As cinzas das impossibilidades, das tristezas, do abandono, das ingratidões, não conseguem afogar as chamas que foram acessas pelo Espírito Santo de Deus. Você não é uma ave qualquer. Você foi criado, foi criada por Deus para alcançar as alturas celestiais.
A nossa igreja viveu neste ano que termina muitos momentos de tristeza, de inquietações, de perguntas feitas ao coração e a Deus sobre a atitude de certas pessoas que viraram às costas e voltaram para o campo das galinhas. Caíram do ninho, e rejeitaram ser ajudadas. Preferiram gastar suas vidas, ciscando com as galinhas.
Romperam com amizades antigas. Ultrapassaram os limites do razoável, do ético, do sentido bíblico. É importante lembrar estes momentos porque assim como a gratidão tem o poder de construir, de levantar, de mudar a vida de uma pessoa, a ingratidão age ao contrário. Ela encolhe o coração e a alma; constrói um muro de separação entre os irmãos, os amigos, os parentes. Amargura profundamente o coração de Deus.
A Bíblia nos conta a experiência de Davi e Jônatas. Um dia em que todos deveriam estar presentes num banquete na casa do rei, o lugar de Davi ficou vazio. A forma como Saul o tratava, fez com que ele se ausentasse daquela comunhão. Não havia no coração do monarca nenhum sentimento de gratidão, de paz, de reconhecimento por tudo o que Davi realizava em favor do reino.
Brennan Manning afirma em seu livro “O Evangelho Maltrapilho”: "Infelizmente, o significado do compartilhar de refeições está em grande parte perdido na comunidade cristã dos nossos dias. No Oriente Médio, compartilhar de uma refeição com alguém é uma garantia de paz, confiança, fraternidade e perdão: a mesa compartilhada representa a vida compartilhada. Para um judeu ortodoxo, dizer ‘gostaria de jantar com você’ é uma metáfora que implica em ‘gostaria de iniciar uma amizade com você'." (p. 59)
Que este nosso encontro de jantar, seja o início de uma profunda amizade, de um compartilhamento santo e verdadeiro, de um momento de perdão e reconciliação. Há muitos casais precisando de um momento assim. Há esposos e esposas, filhos e filhas, genros e noras, sogros e sogras, irmãos e irmãs, carecendo de uma aproximação maior.
O nosso desejo ao convidar você para este encontro foi o de dar uma oportunidade para que algo mude em sua vida. Não continue vivendo como uma ave simples, que não conhece as alturas do céu. Não se deixe dominar pela vaidade que acabou colocando um ponto final na vida do rei Saul.
Não desperdice os momentos em que você à mesa compartilha uma refeição com a família. Não deixe sair da sua boca nenhuma flecha. Nenhuma seta mortífera. Nenhuma palavra que possa queimar, incinerar, destruir os sonhos, os projetos, os ideais, a harmonia daquele que divide a mesa com você.
Lembre-se do cântico de Ana: “Não há ninguém santo como o Senhor; não há outro além de ti; não há rocha alguma como o nosso Deus. Não falem tão orgulhosamente, nem saia de suas bocas tal arrogância, pois o Senhor é Deus sábio; é ele quem julga os atos dos homens."
A minha oração é que neste novo ano que se inicia hoje, as suas asas sejam fortalecidas. Que sua visão seja ampliada. Que você tenha o coração no céu, mas que tenha também os pés no chão. A águia não despreza a terra, pois nela é que encontram alimento. Mas ela nunca se contenta em caminhar pela terra.
O seu habitat é o céu. Voe e voe alto. Não tenha medo dos ventos. Enquanto você voeja, eles acariciam seu corpo, suas faces. Eles refrescam sua alma. Se os ventos pararem o barco não pode avançar. As nuvens que trazem a benfazeja chuva não se formarão. É lá de cima que você pode estender seus olhos para o futuro, o amanhã, o próximo ano.
É lá de cima que você contempla o melhor de Deus para sua vida. Voejando você não precisa olhar para trás. Relembrar as agruras que sofreu, as decepções que amargaram sua caminhada.
Como afirmou Frei Betto: “Se queres ser feliz, não contabilizes as perdas do ano velho, nem recolhas pedras em suas aljavas. Coleciona afetos, permite que lagartas se transmutem em borboletas, silencia as palavras sem raízes no coração”. (A arte de semear estrelas – p.55).
Concluo esta palavra estendendo a nossa gratidão a Deus e a todos que nos ajudaram neste período que se finda. Aos bravos irmãos e irmãs, membros desta família Nova Vida, que não pouparam esforços nos trabalhos internos da igreja. Sem dúvida, construímos muitos momentos de felicidade, de alegria, de comunhão.
Aos fiéis dizimistas e aos que de mãos abertas ofereceram não apenas o dinheiro, mas o coração a este ministério, a nossa profunda gratidão. Com certeza, sem eles não estaríamos celebrando esta noite de reconhecimento, de graça, de amor e amizade. Encurtamos o horizonte ao nos reunir nesta comunhão.
Que Deus abençoe este seu novo ano. Não sei onde estaremos celebrando o nosso próximo encontro de ação de graças. A única coisa que sei é que estaremos celebrando este dia, no melhor lugar que Deus já escolheu para nós. Pode ser este, pode ser outro, mas com certeza, será o melhor lugar do mundo para juntos levantarmos as nossas mãos e cantar: Obrigado Jesus, Obrigado Jesus, meu bom Salvador.
Amém
Reflexão feita no dia 27 de Novembro,
dia de Ação de Graças, na Igreja de Nova Vida
de São Paulo pelo seu pastor Tito Oscar.
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