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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Meditar é aprender a ouvir


Por Rubem Alves



Sempre vejo anunciados cursos de oratória.
Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar...
Ninguém quer aprender a ouvir.




Rubem Alves

Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.


Escutar é complicado e sutil.


Diz Alberto Caeiro que...
Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.


É preciso também não ter filosofia nenhuma.


Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.


Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.


Parafraseio o Alberto Caeiro:


Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.


É preciso também que haja silêncio dentro da alma.


Daí a dificuldade:


A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...


Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.


Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...


E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.


Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.


No fundo, somos os mais bonitos...


Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.


Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala.


Há um longo, longo silêncio.


Vejam a semelhança...


Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio...


Abrindo vazios de silêncio...
Expulsando todas as idéias estranhas.


Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala.


Curto. Todos ouvem.
Terminada a fala, novo silêncio.


Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...


Pensamentos que ele julgava essenciais.


São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.


Se eu falar logo a seguir...
São duas as possibilidades.


Primeira:
Fiquei em silêncio só por delicadeza.


Na verdade, não ouvi o que você falou.


Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala.


Falo como se você não tivesse falado.


Segunda:
Ouvi o que você falou.
Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.


É coisa velha para mim.
Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.


Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.


O longo silêncio quer dizer:
Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.


E, assim vai a reunião.


Não basta o silêncio de fora.
É preciso silêncio dentro.
Ausência de pensamentos.


E aí, quando se faz o silêncio dentro,
a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.


Eu comecei a ouvir.


Fernando Pessoa conhecia a experiência...


E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras...

No lugar onde não há palavras.


A música acontece no silêncio.

A alma é uma catedral submersa.


No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada.

Somos todos olhos e ouvidos.


Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia...


Que de tão linda nos faz chorar.


Para mim, Deus é isto:

A beleza que se ouve no silêncio.


Daí a importância de saber ouvir os outros:

A beleza mora lá também.


Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da

gente se juntam num contraponto.


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